No Diário de Notícias de hoje, 25/07/2025
A
Europa entre a espada e a parede
Victor
Ângelo
António
Costa e Ursula von der Leyen estão desde ontem em Beijing, para uma cimeira no
quadro dos 50 anos das relações diplomáticas entre as duas partes. Xi Jinping recusou
deslocar-se a Bruxelas e só depois de muita insistência aceitou o encontro em
Beijing.
A
imprensa chinesa diz que a reunião é importante. Não podia falar de outra maneira,
estando o presidente Xi presente. Mas, para além de verem o nosso continente
como um mercado de grande relevo, a Europa é tida como uma curiosidade
histórica e pouco mais. Vai-se ao continente africano para ver os cinco magníficos
– o leão, o elefante, o búfalo, o rinoceronte e o leopardo. Da China, o turista
vem à Europa para ver outras cinco maravilhas –a Catedral de Notre-Dame e o
Museu do Louvre em Paris, o Monte Saint-Michel em França, a cidade de Veneza e
o Vaticano em Roma, embora o leque de escolha seja bem mais vasto. África é o
museu da natureza, e a Europa o das belas-artes e do passado. É neste
contexto que para Xi, o poder geopolítico não mora aqui.
Ao
olhar para o futuro próximo, digamos para os cinco anos que aí vêm, ou mesmo
para um período mais longo de dez anos, a Europa continuará à procura dos
fragmentos e dos projetos necessários para construir a sua unidade. A Europa,
como união política, é uma entidade frágil.
A
China, ao contrário e com um comando central férreo, tem-se transformado numa
potência proeminente. Tem todas as condições para o ser: uma situação
geográfica absolutamente central, com uma dimensão populacional gigantesca, e
outros milhares de milhões de pessoas nos países à sua volta ou a ela ligados
pelos corredores terrestres e marítimos da Nova Rota da Seda. Possui uma base
industrial dominante, multiplicada diariamente por uma inovação industrial
imparável, pelo desenvolvimento acelerado da Inteligência Artificial, pela
computação quântica e por uma produção em larga escala de energia renovável. A
abundância em matéria de energia é um dos grandes trunfos do futuro. A economia
digital precisa de muita energia, produzida a custos incrivelmente baixos.
Mais
ainda, a China aposta numa diplomacia forte e de aparência construtiva, capaz
de explorar as velhas feridas do passado colonial da Europa e a agressividade de
novo crescente dos EUA. Será a diplomacia da nova libertação nacional para
muitos países do Sul, que completarão agora o que não conseguiram fazer na
primeira fase das independências coloniais, há cerca de cinco ou seis décadas. Podem
agora contar com uma superpotência hostil ao velho colonialismo, a nova China.
Sem
esquecer o alto grau de patriotismo e de orgulho cultural da parte dominante da
população na China. Estas características são evidentes na maneira como a China
tem modernizado as suas forças armadas, no aumento da sua assertividade em
relação a Taiwan e a certos países ribeirinhos do Mar do Sul da China. O
programa militar chinês é bem maior, mais inovador e integrado do que aquilo
que se estima no Ocidente. Primeiro construtor mundial de navios de guerra, investimentos
enormes em aeronaves furtivas, arsenal nuclear em constante desenvolvimento, espionagem
digital, IA e sistemas autónomos de combate, a exploração do espaço, o uso dual
da tecnologia, e tudo o mais que a China hoje é e ambiciona ser.
O
Ocidente parece estar equivocado em relação à China. A declaração aprovada pela
NATO na recente cimeira de Haia não fez qualquer referência à China. Esteve
mais preocupada com a Rússia e com a aquisição de armamento aos EUA. É verdade
que a Rússia é uma ameaça para certos países vizinhos que não estão na sua
esfera de influência. Mas não possui a base económica suficiente para sustentar
a prazo os devaneios imperiais que herdou do passado.
Ao
contrário, a China tem a economia necessária e aposta em três trunfos, que são a
inovação tecnológica, o comércio internacional e um aparente respeito pela
soberania de cada Estado. São apostas políticas. E, no futuro, ganhará quem der
de si uma imagem pacífica e colocar as cartas do relacionamento externo sobretudo
nas dimensões políticas.
O
jogo é outro. Os cinco por cento em defesa, os aviões de guerra abatidos por
drones adquiridos na Amazon ou no Alibaba por tuta e meia, os homens e as
mulheres fardados em grande número para marcar passo e impressionar nos
desfiles militares, tudo isso alimenta uma economia equívoca e gera um
sentimento de defesa enganador, que facilmente se esvai na luta geopolítica.
Os
europeus têm de saber lidar com Donald Trump e compreender o que está a
acontecer na China. Para já, dão a impressão de ter medo do americano e de ignorar
Xi Jinping e a geração que virá a seguir. Não podemos comparar a mentalidade
europeia nem com a dominante nos EUA, nem com a da China. Precisamos, enquanto
europeus, de oferecer uma alternativa. Que alternativa? A resposta é clara: definir
quais são as ameaças reais, defender a unidade europeia, os nossos regimes
democráticos, combater os extremismos políticos e a manipulação da opinião
pública. Tudo isto é trabalho político, com verdade na educação e na informação,
e coragem na intervenção pública. Se elegermos líderes assim, seremos
respeitados por todos, de Washinton a Beijing, e trataremos dos ditadores com a
distância e as barreiras que merecem.
No comments:
Post a Comment