O artigo **"Os BRICS ainda têm pés de barro"**, de **Victor Ângelo**, publicado no Diário de Notícias de 11 de Julho de 2025, oferece uma análise crítica e reflexiva sobre a atual relevância geopolítica do bloco dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul), destacando tanto as suas ambições quanto as suas fragilidades estruturais. A seguir, apresento uma síntese e análise do texto, seguida de comentários sobre seus principais argumentos.
### **Síntese do Artigo**
Victor Ângelo parte da mais recente cimeira dos BRICS no Rio de Janeiro para refletir sobre as transformações no sistema internacional. Ele identifica dois momentos-chave da descolonização:
1. **A primeira descolonização**, após a Segunda Guerra Mundial, que levou à independência de muitas nações asiáticas e africanas e ao crescimento da ONU — de 51 membros em 1945 para 144 em 1975.
2. **A "segunda descolonização"**, um processo contemporâneo de desconexão política e econômica entre os países desenvolvidos (especialmente EUA e Europa) e o que ele chama de "antigas colônias", impulsionado por uma nova busca por autonomia geopolítica.
Nesse contexto, a China, sob a liderança de Xi Jinping, emerge como um ator central. Em 2013, lança a **Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI)**, um projeto de infraestrutura global que visa ampliar sua influência econômica e militar. No entanto, faltava à China uma dimensão política multilateral — algo que os **BRICS** poderiam oferecer.
O bloco, inicialmente concebido na década de 2000 como contraponto ao G7, ganhou novo impulso com o envolvimento estratégico da China. Os BRICS passaram a ser vistos como um possível **alternativa ao sistema ocidental dominado pelos EUA**, com potencial para criar uma nova arquitetura internacional baseada em cooperação digital, exploração espacial, novas moedas e comércio sem o dólar.
Contudo, o autor argumenta que os BRICS têm **"pés de barro"** — ou seja, apesar das ambições, sofrem de fragilidades profundas:
- Falta de **imparcialidade política**, evidenciada pela incapacidade de condenar a invasão da Ucrânia pela Rússia.
- **Rivalidades internas**, especialmente entre Índia e China, e entre Brasil e China (no que diz respeito a aspirações de assento permanente no Conselho de Segurança da ONU).
- Ausência de compromisso com **direitos humanos** e **regras do direito internacional** entre seus membros.
- Caráter de **aliança de conveniência**, não de integração ideológica ou estratégica.
O resultado, segundo Ângelo, é um bloco que pode contribuir para o **equilíbrio do sistema internacional**, mas que corre o risco de se tornar **problemático** se suas contradições internas não forem reconhecidas.
### **Análise dos Principais Argumentos**
#### 1. **A "segunda descolonização"**
A ideia de uma segunda descolonização é provocadora e útil. Ela vai além da independência formal e toca na **busca por autonomia estratégica**, especialmente em áreas como:
- Moedas próprias (desdolarização)
- Bancos de desenvolvimento alternativos (como o Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS)
- Redes de comércio e tecnologia fora do controle ocidental
Essa leitura captura bem o desejo de países do Sul Global de **reconfigurar o poder global**, não apenas em termos econômicos, mas simbólicos.
#### 2. **O papel central da China**
Xi Jinping é apresentado como o estrategista que viu nos BRICS uma oportunidade de **legitimar globalmente a China** como potência alternativa. A BRI e os BRICS são dois braços complementares: um econômico-infrastructurel, outro político-diplomático.
No entanto, o autor lembra que o projeto chinês também serve a **interesses internos**: fortalecer o nacionalismo, garantir prosperidade e consolidar o poder do Partido Comunista.
#### 3. **Fragilidades dos BRICS**
O ponto mais forte do artigo é a crítica à **falta de coesão e legitimidade moral** do bloco:
- A **omissão sobre a Ucrânia** mostra que os BRICS não conseguem agir como mediadores neutros — exatamente como o Conselho de Segurança da ONU, paralisado por interesses de potências.
- As **rivalidades bilaterais**, como entre Índia e China (com conflitos de fronteira e competição regional), minam a unidade.
- O Brasil e a Índia veem os BRICS como **moeda de troca** para ganhar assento no Conselho de Segurança da ONU — mas a China tem interesse em **bloquear isso**, para não ter que ceder espaço à Índia.
Isso revela que os BRICS são, acima de tudo, um **espaço de negociação de interesses nacionais**, não uma comunidade de valores.
#### 4. **Questões éticas e de governança**
O autor não poupa críticas ao perfil autoritário de vários membros do bloco:
- China: repressão em Xinjiang, Hong Kong
- Rússia: guerra na Ucrânia, regime de Putin
- Índia: deriva nacionalista de Modi
- Brasil: Bolsonaro (no passado), mas também desafios democráticos.
Essa falta de compromisso com **democracia e direitos humanos** enfraquece a pretensão dos BRICS de oferecer uma "nova ordem" mais justa.
### **Conclusão: BRICS — promessa e limites**
Victor Ângelo conclui com uma visão realista: os BRICS **podem contribuir para um mundo multipolar**, mas não são uma alternativa sólida ou coesa ao sistema ocidental. São uma **aliança frágil**, baseada em interesses convergentes momentâneos, mas minada por rivalidades profundas e ausência de princípios comuns.
A metáfora dos **"pés de barro"** é precisa: o bloco pode parecer forte à superfície, mas repousa sobre fundamentos instáveis.
### **Reflexão Final**
O artigo é um convite à **humildade estratégica**. Enquanto o Ocidente enfrenta desgaste de hegemonia, o Sul Global busca novos caminhos — mas não há garantia de que esses novos arranjos sejam mais justos, democráticos ou estáveis. A verdadeira transformação do sistema internacional exigirá mais do que cooperação interestatal: exigirá **compromisso com regras, transparência e valores universais**.
Os BRICS podem ser parte desse futuro — mas, por enquanto, ainda estão longe de ser seu alicerce.
**Em uma frase**:
*Os BRICS refletem o desejo de um mundo multipolar, mas sua falta de coesão, imparcialidade e valores comuns mostra que ainda têm muito chão a percorrer antes de se tornarem uma verdadeira alternativa global.*